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No swingue do Robertão

Entre o Roberto Carlos da Jovem Guarda dos anos sessenta e o Roberto Carlos romântico dos anos setenta tivemos um terceiro que foi mais emblemático e swingado: o Roberto Carlos versão soul music. E não foi do nada que ele lançou este disco extremamente pulsante, pois basta uma rápida escutada em seu trabalho de 1968, O Inimitável Roberto Carlos, para detectar que esta faceta já estava pedindo passagem em canções como Se Você Pensa e no sucesso Ciúme de Você que apareciam em meio às composições ainda recorrentes e calcadas na sonoridade da (hoje) inocente Jovem Guarda. No ano seguinte saíram mais algumas pistas de que Robertão estava com mais balanço na sua alma naquele disco em que ele está emblematicamente sentado na praia – é neste vinil que está Não Vou Ficar (composta pelo seu antigo amigo Tim Maia que trouxe o swing norte-americano para as nossas terras) e As Curvas da Estrada de Santos com seu belo trabalho de sopros.

E com toda a influência que a música brasileira estava recebendo em 1970 (basta ver os artistas tropicalistas, por exemplo) havia chegado a hora de um disco mais antenado com outros sons mais modernos e é com esta aura Black Music que Roberto abre a década de setenta. E tudo já começa pela foto da capa, uma foto magistral de Thereza Eugenia mostrando Roberto durante a sua primeira temporada no Canecão, no Rio de Janeiro. A capa, cheia de contrastes preto e branco, ilustrava muito bem o conteúdo deste grande LP!


O disco, com cinco músicas assinadas por Roberto e o seu amigo e escudeiro musical Erasmo Carlos, começa com uma dessa eterna parceria: Ana, uma balada que ainda carrega o DNA sonoro dos tempos da Jovem Guarda, principalmente nos timbres de teclados e nos arranjos de cordas, mas já com um baixo mais dançante (cortesia de Paulo César Barros, do Renato e seus Blue Caps), O disco segue com Uma Palavra Amiga, que começa lentamente e vai ganhando corpo com os arranjos espetaculares e é, sem dúvida, uma das canções mais fortes do disco. Tente escutar e não sair com o refrão na cabeça!

Vista a Roupa Meu Bem foge da pegada soul e traz um criativo um pastiche sonoro dos anos quarenta com uma letra divertida em que um homem gentilmente pede que a mulher que está com ele vista suas roupas (obviamente depois de se divertirem um pouco) e se decida se quer ou não ficar com ele para sempre. Uma homenagem aos tempos de jazz com direito à voz de Roberto filtrada como se estivesse saindo de uma radiola das antigas, mostrando um lado inusitado e bem-humorado do disco com uma letra cuja temática do amor livre, tão em moda naqueles tempos, apesar da repressão presente daqueles anos de chumbo, podia ser tema de uma canção emoldurada em uma camada sonora retrô! Era o moderno se encontrando com o antigo de forma harmoniosa. Meu Pequeno Cachoeiro (Meu Cachoeiro) é uma delicada canção emotiva que remete às lembranças de Roberto Carlos de sua infância em Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo – e a interpretação espetacular de Roberto convence, mesmo sendo que a canção tenha sido composta por Raul Sampaio, cantor e compositor que também nasceu na mesma cidade de Robertão. Mais uma canção que não tem a pegada da soul music, mas a sua presença é fascinante e dá um toque de saudades ao disco, afinal de contas quem a escuta vai começar a pensar na sua infância, nas ruas por onde viveu quando pequeno e nos tempos de escola. Em outras palavras, mais um ponto para Roberto por nos apresentar com uma canção que serve para qualquer pessoa.

A surpreendente O Astronauta tem uma pegada claramente antenada com o que David Bowie havia gravado um ano antes com a sua Space Oddity. Se em uma das inúmeras interpretações a respeito da história de Bowie temos Major Tom vislumbrado com a visão da Terra do espaço sideral, decidindo abandonar o seu veículo para cair no vácuo do universo (alguns ligam a letra com o consumo de drogas, outros o fim existencial após a conquista de algo grandioso, enfim…). O Astronauta de Roberto Carlos nos mostra a desilusão com diversos conflitos – tanto os bélicos quanto os amorosos, cada qual mais devastador que o outro dependendo do ponto de vista – com o personagem também decidindo desligar os controles da sua nave para nunca mais voltar. Vale reforçar que estávamos em uma época de grandes viagens ao espaço, com o ápice do homem pisando na Lua pela primeira vez um ano antes. É disparada a música mais elaborada do disco, com entradas orquestradas que simulam as piruetas de um foguete e pequenas pausas dramáticas. Se Eu Pudesse Voltar no Tempo fecha lado A com uma pegada bem Tim Maia, com os metais dando à esta canção a tonalidade mais black do disco. Uma composição mais do que sensacional mas que fica um pouco escondida por estar logo após O Astronauta.

O segundo lado do disco começa com Preciso Lhe Encontrar, uma balada soul guiada pelo violão, percussão perfeita e orquestrações inspiradas e a emblemática Minha Senhora, outra canção guiada pelas cordas que conta a história de um jovem apaixonado por uma mulher com mais idade e tenta convencer a senhora da canção a ser o seu par. A letra cai como uma pedra pois até então homem mais velho com mulher mais nova era até aceitável na sociedade da época – imagine o desconforto que uma letra como esta causou em muita gente!

Jesus Cristo, a primeira inclusão de cunho espiritual de Roberto Carlos, é um Soul Gospel para lá de agitado, bem ao estilo coral de Igreja Americana. Dá para sentir a modernidade deixada pelos musicais da época como Jesus Cristo Superstar, validando ainda mais o disco como um disco moderno, repleto de influências e igualmente influente. Se esta música virou presença certeira em alguns cultos e em especiais de fim de ano da TV Globo do próprio Roberto Carlos, em 1970 a composição causou estranheza por parte dos fãs mais conservadores!

O disco segue com a romântica declaração Pra Você onde Roberto já começa a preparar terreno para a sua sonoridade romântica que faria nos anos setenta enquanto 120… 150… 200 km por Hora, outra composição com o parceiro Erasmo Carlos, volta com a pegada soul. Na letra, um homem corre com seu carro (tema frequente de Roberto nos anos sessenta) pela noite e vai mentalmente conversando com a sua ex como se ela estivesse ali ao seu lado, fugindo da ausência causada pela falta da mulher amada. O mais inteligente da música é a analogia da estrada que fica para trás com o sofrimento do personagem que tenta esquecer a mulher que não está mais com ele – e mesmo com a velocidade aumentando,a música não acelera e segue um ritmo até tranquilo. Fica claro na letra que por mais que o carro chegue em 200 km/h, os pensamentos na pessoa amada ainda seguem atormentando o pobre infeliz e não ficam para trás na estrada.

Maior Que o Meu Amor é uma balada que fecha o disco dando mais indícios do estilo de música que o artista faria dentro de alguns anos: canções de amor que consagraram Roberto Carlos como o cantor romântico definitivo do Brasil. Aroldo Antonio Glomb Junior tem 45 anos, é jornalista, Athleticano e fanático por boa música desde que completou seus 10 anos de idade.

Aroldo Glomb

Mundo da Música