O disco Minstrel in the Gallery, do Jethro Tull, foi lançado em 1975 e deveria ser um desastre total. A receita pegava apenas os piores detalhes que todas as outras bandas progressivas faziam na época.
E o que entendo como o pior de cada banda prog famosa dos anos 70? Vamos ver a receitinha:
- Som complexo que beira momentos sonolentos, tal qual Yes e King Crimson pisavam em vários momentos
- Misticismo superficial, como fazia o Moody Blues
- Som pretensioso nos moldes do Procol Harum
- Uma série de afetações folclóricas pastorais inglesas, tipo Caravan
- Exageros e expansão sonora que poderiam ser reduzidas, característica inerente do Pink Floyd
- Letras bizarras e, de certo modo, sem sentido, como era de praxe o trabalho de Peter Sinfield
- Exageros barulhentos que fariam o ELP ficar com vergonha
- Teatro de bolso com palhaçadas no palco, como Peter Gabriel fazia quando estava comandando o Genesis
(ANTES QUE FALEM QUE ESTOU CRITICANDO, EU APENAS ESTOU APONTANDO DETALHES EXAGERADOS DE CADA UMA DESSAS FANTÁSTICAS BANDAS, BELEZA?)
Pois bem, o Jethro Tull juntou as piores características de cada banda progressiva dos anos 70 e bateu com força no mixer um pouco de um John Lennon arrogante e looooogos exageros e inchaço no tempo das músicas ao vivo que o Led Zeppelin fazia com maestria.
Mas, contra todas as probabilidades, o álbum se destaca.
O líder da banda, Ian Anderson, conhecido por suas apresentações, digamos, exóticas com sua flauta, e sua habilidade excepcional como guitarrista, lidera um grupo de músicos talentosos que rivalizam com os melhores da época. Apesar das letras muitas vezes obscuras e autorreferenciais, a musicalidade de Anderson e seus companheiros brilha.
O destaque do álbum é inegavelmente as belas melodias que permeiam cada faixa. Mesmo quando as letras não fossem das melhores, as composições musicais são cativantes e evocativas. Além disso, os arranjos para quarteto de cordas, executados magistralmente por David Palmer, acrescentam uma camada de sofisticação e beleza às músicas.
Embora as letras possam ser um ponto fraco, há momentos de brilho, como na faixa “Summerday Sands”, onde Anderson narra poeticamente um encontro romântico na praia. E mesmo quando as letras são confusas ou estranhas, a emoção e paixão na entrega vocal de Anderson compensam.
E vamos combinar: Ian Anderson e seus músicos talentosos sabiam o que fazer. Na verdade, nunca pisou na Terra um flautista de rock melhor, realmente notável. E não é só isso: estamos falando de um guitarrista habilidoso, criativo e muito eficiente, basta ouvir a introdução de Thick as a Brick ou Life is a Long Song, lançadas antes deste disco.
A banda conseguia fazer o melhor com o que estava acontecendo naqueles dias, mesmo que sejam características irritantes quando usadas exageradamente. Anderson e o seu fiel escudeiro, o guitarrista Martin Barre, viviam com uma porta giratória de músicos que entravam e saíam da banda por toda a eternidade sem perder a qualidade e o foco – tal qual King Crimson.
O disco não tem a temida complexidade desnecessária, mudanças de andamento inúteis e aquele momento de exibição sem graça. Ian Anderson veio com melodias lindas, algumas vezes intrigantes.
Ele era o vocalista mais discreto e eficiente daqueles dias, misturando o “cantar” com algo meio falado enquanto vociferava na flauta. Era único.
Minstrel in the Gallery tem mais detalhes que seriam ingredientes fáceis para um desastre:
- O disco nasceu após o primeiro divórcio de Ian Anderson que estava em uma pira egoísta demais, muito obcecado por si próprio mais do que de costume.
- Problemas tributários forçaram a gravação fora da Inglaterra. Lembre-se que a banda já tinha passado por problemas quando gravaram fora algum tempo antes – eles regravaram completamente A Passion Play quando Anderson chamou as fitas gravadas em Paris de “Chateau D’Isaster”
- O sucesso crescente da banda aumentou – e muito – o ego de outros membros a ponto deles acharem que as composições de Ian pioraram.
- O próprio líder da banda achava que todos estavam fazendo corpo mole para gravarem suas partes.
Ou seja, o clima não estava lá essas coisas, mas tudo isso não se refletiu na qualidade do disco.
Por exemplo, por mais questionável que seja a letra de Baker St. Muse, a melodia é maravilhosa! Uma suíte de 16 minutos com várias partes, vamos combinar, já foi uma grande vitória frente aos discos anteriores que tinham uma única música com 45 minutos. Ou seja: ego meio que domado.
O disco inteiro é assim, fácil de ouvir e difícil de enjoar. Tem muito arranjo bacana de cordas do David Palmer, claramente um destaque do álbum, e o resto da banda estava BEM afiada. Martin Barre, por exemplo, detona na metade da canção título “Minstrel in the Gallery” e Barriemore Barlow, que foi citado por John Bonham como o maior baterista de rock já produzido pela Inglaterra, está perfeito em todas as suas intervenções.
Minstrel in the Gallery é a prova de que as grandes bandas conseguem fazer petardos ímpares mesmo em momentos de crise e juntando “o pior” do estilo.
Aroldo Antonio Glomb Junior é jornalista e Athleticano